terça-feira, 20 de março de 2018

O PAPEL HISTÓRICO DA IGREJA CATÓLICA NO PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE NACIONAL

Joelma Carvalho Pereira


    No contexto de colonização portuguesa, a igreja católica foi uma instituição fundamental para promover o controle dos povos conquistados. Juntamente com o Estado, a Igreja conseguiu, não sem resistências, desempenhar suas atividades de conversão e catequização aos povos dominados, tais ações contribuíram gradativamente para o seu fortalecimento.
Boris Fausto (2006) expõe que a educação religiosa dos pagãos foi uma estratégia eficaz para assegurar o poder e o prestígio do Estado.
     A igreja também se ocupava do privado: “Ela estava presente na vida e na morte das pessoas, nos episódios decisivos do nascimento, casamento e morte.” (FAUSTO, 2006, p. 29). Em resumo, a igreja católica, em seu processo de “evangelização” nas colônias portuguesas, teve como obrigação tratar dos assuntos referentes ao público e ao privado, dividindo o poder com o Estado.
     No processo de implantação forçada durante o período da colonização, o catolicismo introduziu no Brasil novos significados para a construção da identidade nacional.
    Foi, no passado colonial brasileiro, uma religião obrigatória: os que aqui nasciam o aceitavam por pressuposto de cidadania, exceto os indígenas, aos quais se exterminava ou se convertia. Os que aqui não nasciam tinham que adotá-lo, mesmo que não o compreendessem: os negros escravizados eram batizados no porto de procedência ou de desembarque. Já os judeus, sob a pressão de serem perseguidos pelos inquisidores, de perderem seus bens ou mesmo suas vidas, preferiram, em geral, tornar-se „cristãos-novos‟. (NEGRÃO, 2008, p. 263)
    Apesar de ter sido uma religião obrigatória isso não significou que ela foi a única existente no Brasil colonial. Alguns exemplos podem ser citados: as religiões africanas; o judaísmo descaracterizado pela conversão forçada ao catolicismo, mencionado anteriormente não esquecendo a religiosidade dos indígenas, que foram obrigados ao convertimento. Foram acrescentados, historicamente, elementos culturais de outras nações que juntamente com o cristianismo, produziram aqui novas identidades nacionais. Essas identidades nacionais, segundo Stuart Hall (2003) são construídas através do diálogo entre representações simbólicas e instituições culturais, algo que surge do imaginário nacional para a significação da identidade do indivíduo, como o território e a língua. Tendo em vista o caráter influenciador da Igreja Católica, como ponto de identificação, pode-se afirmar que a mesma “[...] é também uma estrutura de poder cultural.” (HALL, 2003, p. 59)
     Como poder cultural, a igreja católica tem sua representação consolidada pela institucionalização, sendo esta uma forma de materializar a sua existência. Neste caso, o templo, regere sacra, existe para efetivar o poder do seu “sistema simbólico”, a religião (Bourdieu, 2001). E como poder simbólico, a religião necessita delimitar um território imaginário dentro de um território político. Exemplo disso são os preceitos religiosos, formas de disciplinar os fiéis que equivale à legislação de um Estado.
    Hall (2003) enfatiza que a identidade nacional é resultado do processo forçado, na tentativa de unificar as múltiplas culturas, e criar um símbolo unificador. Por isso, ao longo de séculos, a instituição católica continua exercendo papel significativo para a sociedade brasileira, apesar da secularização. Um exemplo histórico de implantação cultural forçada refere-se às nações ocidentais modernas, que “foram também os centros de impérios ou de esferas neoimperiais de influência, exercendo uma hegemonia cultural sobre as culturas dos colonizados.” (Hall, op. cit, p. 61). Baseado nesse prisma, de forjamento e unificação da nação através da religião, o Brasil ainda é considerado, na atualidade, um país católico. Esse credo é visível na sociedade brasileira, como consta no censo demográfico de 2000, mais de 73% da população brasileira se declarou católica (IBGE, 2000).
    Segundo Adverse (2008), secularização compreende o processo de perda ou transferência da moral religiosa, ou seja, o que é oposto a religião é considerado secular.
    Pesquisa recente da Fundação Getúlio Vargas e Centro de Políticas Sociais (2011)4 afirma que 68, 43% da população brasileira se declara católica. Percebe-se uma queda acelerada do número de católicos no Brasil entre os anos 2000 e 2009. De acordo com os dados da pesquisa, houve um aumento do número de evangélicos e dos que se declararam “sem religião”, além das religiões alternativas que em 2000 era composta por 2, 6% da população e em 2009 atingiu a média de 4, 62%. Observa-se que as rupturas, como resultado do processo histórico, em relação as religiões, vêm representando significativa transformação no espaço do cenário religioso brasileiro.
    Por outro lado, é importante relativizar esses dados, de que 68, 43% da população brasileira se declara católica, pois conforme Mott (2007) muitas pessoas que pertencem a religiões de matrizes africanas e espíritas se declaram católicas em razão da permanência ainda na contemporaneidade de preconceito em relação a essas religiões.
    Desde o início da colonização o símbolo religioso católico foi propositadamente representado para unificar a identidade cultural. Assim como a língua foi um dos aspectos culturais para a construção do nacionalismo germânico, a igreja católica, bem mais que a própria religião católica, foi, e ainda é, um ponto unificador na construção da identidade nacional brasileira.
    Enquanto a Igreja se constitui em uma instituição organizada em dogmas que tem o templo como espaço comunitário do sagrado, a religião é uma ideologia formada por vários fatores, que inclui a crença no invisível e que necessita da prática religiosa para representar o sagrado (BOURDIEU, 2001)

REFERÊNCIAS

BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico/ Pierre Bourdieu; tradução Fernando Tomaz. 4ª Ed. Rio de Janeiro; Bertrand Brasil, 2001.

BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. http:// www.ibge.gov.br acesso 10/07/2011 às 11:57

FAUSTO, Bóris. História Concisa do Brasil. 11 ed., São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2003.

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2003.

MOTT, Luiz. Cotidiano e vivência religiosa: entre a capela e o calundu. In:  SOUZA, Laura de Mello e; NOVAIS, Fernando A. . História da vida privada no Brasil, 1: cotidiano e vida privada na América Portuguesa. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

NEGRÃO, Lísias Nogueira. Pluralismo e multiplicidades religiosas no Brasil contemporâneo. Soc. Estado., 2008, vol. 23, no. 2, p. 261-279. ISSN 0102-6992.



segunda-feira, 2 de agosto de 2010

A presença das pinturas rupestres nos livros didáticos de História no Brasil – de 1960 a 2000

Por MICHEL JUSTAMAND
Doutorando em Ciências Sociais na PUC-SP. Professor de Ciências Sociais e Antropologia da Universidade Bandeirantes de São Paulo

Uma possível história do Brasil antes de 1500 é questionada por adultos e crianças há muito tempo. Na fase inicial de estudos formal, na escola, nos é dado como certo que a história nacional inicia-se em 1500. Mas, algum tempo depois, nos perguntamos: se já existiam habitantes nesta terra, estes não tinham e fizeram história?
Para este artigo, interessam os vestígios deixados nas rochas pelos primeiros habitantes do Brasil, que são as pinturas rupestres. Elas nos transmitem suas histórias e estão expostas em várias formas artísticas (como as tradições e/ou subtradições, ou ainda estilos das pinturas rupestres), culturais, sociais, etc.
As pinturas rupestres estão plasmadas nas paredes das rochas espalhadas por todos os estados do país, especialmente em algumas cidades. Aparecem nas cavernas e nas rochas que serviram, provavelmente, de abrigo para os primeiros habitantes do Brasil, muito antes de 1500.
Estas pinturas, então, poderiam transmitir informações sociais e culturais de grande importância para a sobrevivência do grupo que existisse naquele espaço e também para o futuro, fornecendo-nos dados sobre a forma de vida das comunidades locais.
Parece-nos que os livros didáticos de História do Brasil seriam o melhor local para divulgar tal informação, pois são de grande importância para o desenvolvimento da população. Por isso, procuramos pesquisar estes livros.
Os livros didáticos de História (do Brasil, Geral e/ou Integrada) não relatam este assunto como se fizesse parte da história do país. Tratam o período como pré-história, ou uma “história menor” talvez. Desta forma, não esclarecem os leitores da possibilidade de que o Brasil tenha tido uma História independente daquela da Europa, por exemplo, e assim escondem algumas informações, existentes nas pinturas, de nosso interesse. Hoje as pinturas rupestres nos mostram um potencial informativo sobre a história dos primeiros habitantes do Brasil e das Américas não contada nos livros didáticos. Mesmo aqueles livros que contavam a História do Brasil e até aqueles que se diziam livros didáticos de História Geral não faziam menção alguma à passagem do homem pelo Brasil/Américas, antes de 1500.
Algumas imagens de pinturas rupestres que aparecem nos livros didáticos, de certa forma, são padronizadas, pois as mesmas aparecerem em vários livros. Os autores destes livros utilizam-
se sempre das mesmas tradições de pinturas rupestres e sendo que, no país, o que não faltam são tradições diferentes e locais para serem explorados.
Por esse motivo, esses autores empobrecem a visão do educando, que não percebe a existência das pinturas rupestres em todo o país, podendo até haver uma produção próxima de sua escola, ou residência, cidade ou estado, indicando uma história antiga para sua região também e não somente para a antiguidade clássica (por exemplo: Mesopotâmia, Egito, Grécia, Roma, etc.).
A arqueologia que é a ciência que estuda mais detalhadamente as pinturas rupestres e que tem se pronunciado sobre elas com algumas afirmações que se tornam tendências metodológicas. Uma destas afirmações, apontada e defendida por André Prous[1], entre outros, é a de que não se deve interpretá-las. Uma outra tendência mais aberta, no sentido de que permite algumas interpretações é a sugerida por Edithe Pereira[2].
Existem ainda aqueles que compactuam com uma tendência que faz descrições que são, praticamente, interpretações das pinturas rupestres e que indicam a utilidade delas como referencial no uso social dos primeiros habitantes do país. Neste caso, estão cientistas como Niéde Guidon e Pedro Schmitz, entre outros.
As pinturas rupestres apresentam a possibilidade de múltiplas interpretações. Uma delas é a de que se pode “ler” os códigos ali plasmados e adquirir informações sobre a vida e as práticas sociais dos primeiros habitantes do país.
Sobre as pinturas, Lucci, autor de livros didáticos e também historiador, diz: Ainda habitando nas cavernas, o homem primitivo começou a desenvolver a atividade artística – representava nas paredes, a natureza que o cercava e cenas da vida cotidiana, por meio de desenhos de animais e árvores.[3]
O autor sugere que os homens deram início às atividades artísticas também por meio das pinturas rupestres. E esse caminho artístico aponta um conhecimento do mundo que os cercava e também quais poderiam ser suas necessidades no contexto social, ecológico e histórico em que viviam. Por “meio de desenhos de animais e árvores”, temos uma noção da relação entre homens e seu habitat, vantagens e desvantagens, da permanência ou não, entre outras questões. E voltam as perguntas: se as pinturas têm o poder de comunicar algo, por que não utilizar as existentes no Brasil? Por que as pinturas que aparecem nos livros didáticos deste autor não são de nosso país? Por que uma produção cultural/social como as pinturas rupestres não são usadas nos livros didáticos?
Em um dos livros didáticos de História do Brasil dos mais usados nos anos 60, o de Antônio J. Borges Hermida, as únicas imagens que constam não são as de pinturas rupestres (ou outras formas culturais locais), mas desenhos estilizados dos primeiros habitantes do Brasil.
Esperávamos encontrar, então, nos livros didáticos da década de 70, algum avanço nesta posição, pois nesta década as ciências já estavam estudando com bastante intensidade os sítios arqueológicos do Brasil, como São Raimundo Nonato (PI) e o Vale do Jequitinhonha (MG), por exemplo. Entretanto, além de não apresentarem imagens do Brasil sobre o período anterior a 1500, a história ensinada começa com a formação do Estado Nacional de Portugal.
Com os avanços científicos nas pesquisas arqueológicas na década de 80, no Brasil, e a descoberta de pinturas rupestres por todos os estados do país, esse tema passasse a se refletir nos livros didáticos do período. Uma discussão embrionária da ciência arqueológica surge finalmente nos livros didáticos, mas com fotos de pinturas rupestres da Europa, mesmo para tratar das questões do Brasil.
Nas produções dos anos 90, o quadro mudou bastante com relação às décadas passadas. Existem livros com uma grande qualidade e preocupação com a apresentação deste passado que interessa a todos que neste país moram. Nesta década surgiram os mapas com a localização das populações mais significativas das Américas e do Brasil. É o caso de Gilberto Cotrim em História e consciência do Brasil, (1997/Saraiva)[4] ; com indicações dos lugares onde se encontravam as pinturas no Brasil e Vicentino/Dorigo (1998/Scipione) em História do Brasil.
Nos livros didáticos de História Geral para o ensino médio, surge, nesta década a divisão entre pré-história no mundo e no Brasil/Américas, com os livros de José J. de A. Arruda e Nelson Piletti (1998/Ática), Antônio Pedro (1998/FTD), Florival Cáceres (1998/Moderna), entre outros.É também nesta década que aparecem as primeiras imagens (a maioria colorida) de pinturas rupestres nestes manuais. Em alguns casos, são apenas ilustrativas e, em outros, existe motivo para estarem lá, como em História do Brasil, de Dorigo/Vicentino, pois há discussão sobre as fotos.
As imagens coloridas também são de grande importância, porque hoje os adolescentes estão acostumados com elas. Em alguns livros didáticos, desta década, as fotos em preto e branco fazem com que as pinturas rupestres percam seu brilho. Este é o caso dos autores Cotrim, Arruda, Piletti, Pedro, Cáceres, e outros (nos livros citados). E, no Brasil, as pinturas possuem uma das maiores variedades de cores do mundo.
A pintura rupestre tem recebido algumas interpretações dos professores de História e historiadores autores de livros didáticos como Lucci e também Vicentino/Dorigo. Eles criam um vínculo interpretativo entre as pinturas rupestres e o presente em suas considerações, para auxiliar a compreensão por parte dos alunos. Apontam uso e significado, dados que estariam nas entrelinhas das pinturas e que são úteis pedagogicamente.
Em livros didáticos como o de Piletti (1998/Ática) ou o de Vicentino/Dorigo, ocorrem algumas informações nas legendas das pinturas, abaixo das fotos, que ajudam os leitores a compreenderem o exposto na imagem: As mulheres em algumas das pinturas são identificadas pelo ventre proeminente que caracteriza a gravidez das mesmas.[5]
Ou ainda: Nas figuras pintadas em paredes rochosas do Parque Nacional da Serra da Capivara, em São Raimundo Nonato, PI, destacam-se as do sítio da Pedra Furada, onde predominam cenas de caça, trabalho e vida familiar.[6]
Mas os livros didáticos dos anos 90 trazem também capítulos como “Antes do descobrimento”[7]. E títulos como “Do descobrimento à independência”[8]. Nesses dois casos, está presente o discurso dominante e alienante, que não propõe uma visão de que a história do Brasil pudesse ter começado antes da invasão portuguesa.
Acreditamos que se as pinturas rupestres que aparecem nos livros didáticos se forem bem trabalhadas em breve, as gerações vindouras farão novos questionamentos e não mais aqueles com os quais nos defrontamos quando estávamos nos primeiros anos de escolarização.
Imaginamos que não tenham sido exclusivamente os avanços da arqueologia, mas também as preocupações dos autores e editoras com a qualidade de seus materiais, além das cobranças e questionamentos dos alunos, que contribuíram para as mudanças ocorridas nos livros didáticos atuais.

Bibliografia

EMPRESAS DOW. Herança – A expressão visual do brasileiro antes da influência do europeu. Brasil, 1984. 70 p.
FUNARI, Pedro Paulo Abreu. Arqueologia. São Paulo. Ática, 1988. 85 p.
GUIDON, NIÉDE. In: “As ocupações pré-históricas do Brasil”, In: CUNHA, Manuela Carneiro da. História dos Índios no Brasil. São Paulo, Cia das Letras, 1992, págs. 37 a 52.
______. Pré-História no Piauí. Revista Horizonte Geográfico, ano 3, nº 12, set/out, 1990.
KERN, Arno A. e outros. Arqueologia Pré-Histórica do Rio Grande do Sul. Porto Alegre. Mercado Aberto, 1991. 356 p.
MARTIN, Gabriela. A Pré-História do Nordeste do Brasil. Pernambuco. UFPE, 1997. 445 p.
MENDES, Josué Camargo. Conheça a Pré-história Brasileira. São Paulo. USP, Editora Polígono, 1970. Da pág. 113 a 135.
PALLESTRINI, Luciana e MORAIS, José Luiz de. Arqueologia Pré-Histórica Brasileira. São Paulo. USP fundo de Pesquisa, 1982.
PEREIRA, Edithe. Registros rupestres do Noroeste do Pará. Revista de Arqueologia, São Paulo, nº 8, 19943. 321-335 p.
_____ . Arte rupestre na Amazônia. Belém, edição SEBRAE, 1999. Da Pág. 12-21.
PEREIRA Jr., José Anthero. Introdução ao Estudo da Arqueologia Brasileira. São Paulo. Ind. Gráfica Bentivegna Editora, 1967. 261 p.
PESSIS, Anna-Marie. In: “Pré-História da região do Parque da Serra Capivara”. In: TENÓRIO, Maria Cristina. (org.) Pré-História da Terra Brasilis. Rio de Janeiro, UFRJ, 1999, págs. 61 a 74.
PINSKY, Jaime. As primeiras Civilizações. S. Paulo, ed. Atual, 1994. 98 p. 280 p.
PROUS, André. Arqueologia Brasileira. Brasília. UnB, 1991, 605 p.
RIBEIRO, Berta G. Arte Indígena, Linguagem Visual. Rio de Janeiro, Ed. Itatiaia, 1989. 186 p.
TENÓRIO, Maria Cristina. Pré-História da Terra Brasilis. Rio de Janeiro, Ed. UFRJ, 1999. 376 p.

Fontes:

ALENCAR, Chico e outros. História da Sociedade Brasileira. Rio de Janeiro, Ed. Ao Livro Técnico, 1996.
ARRUDAS, J. J. de A. & PILETTI, Nelson. Toda a História. São Paulo, ed. Ática, 1997.
BARBEIRO, Heródoto & CANTELE, Bruna Renata. Ensaio Geral 500 anos de Brasil. São Paulo, ed. Nacional, 1999.
CÁCERES, Florival. História Geral. São Paulo, ed. Moderna, 1996.
COTRIM, Gilberto. História e consciência do Brasil. São Paulo, ed. Saraiva, 1997.
FERREIRA, Olavo Leonel. História do Brasil. São Paulo, ed. Ática, 1995.
FIGUEIRA, Divalte Garcia. História. São Paulo, ed. Ática, 2000.
KOSHIBA, Luiz & PEREIRA, Denise M. F. Américas uma introdução histórica. São Paulo, ed. Atual, 1996.
MEIRA, Antonio Carlos. Brasil recuperando a nossa história. São Paulo, ed. FTD, 1998.
MOTA, Myriam Becho & BRAICK, Patrícia Ramos. História das cavernas ao terceiro milênio. São Paulo, ed. Moderna, 1997.
PEDRO, Antonio. História da civilização ocidental (integrada Brasil e Mundo). São Paulo, ed. FTD, 1997.
PILETTI, Nelson. História do Brasil. São Paulo, ed. Ática, 1997.
SCHMIDT, Mario. Nova História Crítica da América. São Paulo, ed. Nova Geração, 1998.
SILVA, Francisco de Assis. História do Brasil. São Paulo, ed. Moderna, 1992.
VICENTINO, Cláudio. História Geral. São Paulo, ed. Scipione, 2000.
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* Doutorando em Ciências Sociais na PUC-SP. Professor de Ciências Sociais e Antropologia da Universidade Bandeirantes de São Paulo
[1] PROUS, André. Arqueologia Brasileira.p 501: “A. Emperaire costuma dizer que arte rupestre parecia o campo mais fácil de ser estudado na arqueologia: o ‘aficionado’ não tem dificuldade em discursar sobre vestígios, tão visíveis sem precisar de escavação, e tão mudos que aceitam
qualquer interpretação; mas acrescentava que, na realidade, trata-se do capítulo mais complexo, e no qual se cometem os maiores erros”.
[2] PEREIRA, Edithe. Arte da Terra: resgate da cultura material e iconográfica do Pará, p.20: “O significado contido nas pinturas e gravuras rupestres, elaboradas pelos povos pré-históricos, ficou perdido no tempo. Aquilo que antes foi uma mensagem entendida e compartilhada por muitos, hoje nos é impossível desvendar. No entanto, a forma concebida e plasmada na rocha conservou-se ao longo dos séculos, chegando até os nossos dias como um testemunho da expressão cultural de um povo. Conservar e divulgar esse patrimônio arqueológico é dever de cada um de nós”.
[3] LUCCI, Elian Allabi. História Geral, p. 15.
[4] A partir desta nota as datas e as editoras dos respectivos autores apareceram entre parênteses, na primeira vez que aparecerem.
[5] VICENTINO, Cláudio e DORIGO, Gianpaolo. História do Brasil, p.17.
[6] IDEM, ibidem.
[7] ARRUDA, José Jobson. História total, Brasil: período colonial, p. 5.
[8] BARBOSA, Milton B. F. & STOCKLER, Maria L. História do Brasil: do descobrimento à independência.

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sexta-feira, 23 de julho de 2010

Pro dia nascer feliz

                                                                                                                         Joelma Carvalho Pereira


JARDIM, João. Pro dia nascer feliz. Filme documentário, produção TAMBELLINI Filme, SP. Ano 2006.

João Jardim, nascido em 1964 no Rio de Janeiro, estudou Cinema e posteriormente Jornalismo na Universidade de Nova Yorque. Seus principais documentários incluem “Free Tibet” and “Terra Brasil” e Janela da alma. Também foi assistente de direção de Carlos Diegues em “Dias Melhores Virão”.
O filme Pro dia nascer feliz trata do sistema educacional brasileiro a partir das experiências de alunos e professores. Diferentes instituições escolares foram utilizadas para exemplificarem situações reais do cotidiano escolar brasileiro. Tendo uma escola pública do interior de Pernambuco; uma escola privada da capital paulistana; e uma escola da pública da cidade do Rio de Janeiro. Foram utilizados depoimentos diretos dos indivíduos que constrõem e dão significado ao espaço escolar. Nesse sentido Pro dia nascer feliz expõe as angústias, dificuldades e obstáculos enfrentados por discentes, docentes e diretores na vivência escolar. Assim, o telespectador é direcionado a refletir sobre o papel da escola na sociedade e quais os efeitos ela provoca nas relações sociais de seus integrantes.
Neste contexto os “atores” reais do documentário são vítimas do sistema escolar estabelecido pelo Estado, são obrigados diretamente ou indiretamente a adequar-se ao modelo instituído. Todos eles são atingidos dolorosamente sem compreenderem o porquê desse paradigma.
Muitos são os problemas abordados no filme referente à crise no sistema educacional brasileiro, o contraste entre as escolas públicas e as escolas privadas; a distância entre a realidade existente nas instituições públicas e as políticas educacionais do governo.
De modo geral, a relação aluno/professor/escola aparece explicitamente no decorrer do filme. As relações mudam de acordo com a realidade social. Desde um aluno da periferia envolvido com o crime, até uma aluna de escola privada lutando para ser aprovada no ano letivo. Ou uma jovem professora depressiva que tenta fazer a diferença na educação, e uma professora tradicional e reprodutiva que não media seus alunos a criticidade.
Contudo, o documentário Pro dia nascer feliz, denuncia: o papel social da escola; a realidade dos estudantes secundaristas brasileiros e a relação estudante e escola, na perspectiva em incentivar discussões produtivas sobre a realidade da educação no Brasil.

domingo, 11 de julho de 2010

O QUE SÃO ARQUIVOS PESSOAIS





De uma maneira geral, as pessoas guardam documentos que testemunham momentos de sua vida, suas relações pessoais ou profissionais, seus interesses. São cartas, fotografias, documentos de trabalho, registros de viagens, diários, diplomas, comprovantes e recibos, ou simplesmente "papéis velhos". Esses documentos, quando tomados em conjunto, podem revelar não apenas a trajetória de vida, mas também gostos, hábitos e valores de quem os guardou, constituindo o seu arquivo pessoal. Arquivos Pessoais, portanto, são conjuntos documentais, de origem privada, acumulados por pessoas físicas e que se relacionam de alguma forma às atividades desenvolvidas e aos interesses cultivados por essas pessoas, ao longo de suas de vidas. Essa acumulação resulta da seleção dos documentos a serem guardados, entre todos os papéis manuseados cotidianamente, e vai sendo feita ao longo do tempo. Muitas vezes, principalmente no caso de arquivos privados de pessoas públicas, essa seleção também é feita por auxiliares e, após a morte do titular do arquivo, por familiares e amigos.

Os arquivos pessoais constituem valiosas fontes de pesquisa, seja pela especificidade dos tipos documentais que os caracterizam, seja pela possibilidade que oferecem de complementar informações constantes em arquivos de natureza pública. O crescimento das pesquisas nas áreas de história da vida privada e história do cotidiano, bem como o interesse crescente pelas análises de tipo biográfico e pelas edições de correspondência escolhida, têm aumentado a procura por este tipo de fonte, chamando atenção para a importância de sua preservação, organização e abertura à consulta pública.

Em virtude de conterem informações fundamentais para a recuperação da memória ou para o desenvolvimento da pesquisa histórica, científica ou tecnológica do país, alguns arquivos pessoais podem ser classificados como "de interesse público e social", por meio de dispositivo legal. Nesses casos, a lei determina que sejam preservados e colocados à disposição dos pesquisadores. Por se tratarem de documentos de natureza privada, os arquivos pessoais reúnem muitas vezes informações cujo acesso pode comprometer a intimidade do seu titular ou de terceiros. O Brasil hoje já dispõe de um corpo de leis regulamentando várias questões na área de arquivos, entre elas, o acesso a informações de natureza privada. Além da lei 8.159, de 1991, conhecida como Lei de Arquivos, que possui um capítulo dedicado aos arquivos privados, o decreto 2.942, de 1999, e a Resolução nº 12, do Conselho Nacional de Arquivos - CONARQ, estão voltados para o tema.

http://cpdoc.fgv.br/acervo/arquivospessoais

quinta-feira, 1 de julho de 2010

CANUDOS:SURGIMENTO,EXISTÊNCIA E RESISTÊNCIA




JOELMA CARVALHO PEREIRA


RESUMO

O objetivo deste artigo é compreender Canudos como uma grande representação de participação popular efetiva, desde o surgimento do vilarejo de Belo Monte, cenário símbolo da vivência conselheirista, até sua resistência testada nos sucessivos ataques para destruir essa sociedade organizada, principalmente na solidariedade e religiosidade.

Palavras-chave: Canudos; Belo Monte; Conselheiristas; Resistência.


Durante quatro anos o vilarejo de Belo Monte existiu no sertão baiano como morada de Antonio Conselheiro e seus seguidores. Situado numa região acometida por longas estiagens tinha o privilégio de ser cortado pelo rio Vaza-Barris e seus afluentes. A população aprendia a renovar seus recursos de sobrevivência a cada devastadora seca e continuar resistindo.
Apegavam-se à religião para confortar suas dores e persistir nos períodos da seca, no entanto, não foram reconhecidos pelos representantes dessa religião como fiéis da Santa Madre Igreja e sim entendidos como fanáticos imorais que desrespeitavam a sólida Igreja Católica. Não era somente a igreja que negava essa organização popular, os fazendeiros, principalmente eles, não aceitavam essa situação de rebeldia popular, agravando ainda mais a necessidade de mão-de-obra nas propriedades rurais da região.
A demanda da mão-de-obra no sertão nordestino não era acontecimento inédito para os latifundiários,ela existia desde “(...) à segunda metade do século XIX, quando a proibição do tráfico de escravos africanos resultou na intensificação do tráfico interprovincial, carreando mão-de-obra do Nordeste para as plantações de café nas províncias do Rio e Janeiro e para São Paulo” (SAMPAIO, Consuelo Novais,In: FACEBA, Revista da/ UNEB, 1992, p. 15) . O desenvolvimento da República no Sul do país atraía muitos sertanejos esperançosos de mudanças sociais, somando-se a isso, do outro lado, estava Belo Monte, refúgio imediato das classes subalternas, que aumentava da vez mais o número de aliados (SAMPAIO, 1992).



O séquito religioso chega a Canudos


Canudos foi no século XVI uma importante fazenda de criação de gado, sua produção abastecia engenhos no litoral nordestino e em decorrência da monocultura da cana-de-açúcar, a produção de alimentos para a subsistência da população local começou a escassear.


Em 1890, a Fazenda Canudos, na companhia de outras, aparece no arrolamento dos
bens deixados pelo Doutor Fiel José de Carvalho e depois no formal de partilha
como parcela cabida à filha Dona Mariana Fiel Dantas de Carvalho,juntamente com
a casa-sede,já arruinada,alguns bovinos e animais de criação”(FERRAZ,1991.
p.16).

Nas terras havia um pequeno número de antigos moradores, no entanto, aquela propriedade rural continuou abandonada pela proprietária até a instalação de Antônio Conselheiro e seus seguidores no local. José Calasans (1997) afirma que a Fazenda Canudos não estava abandonada quando o Peregrino e séquito chegaram no local.

Quando Antônio Conselheiro chegou em Canudos, ali havia, na margem esquerda o
rio Vaza-Barris, um povoado com cerca de duzentos habitantes, estabelecido em
terras que, ao que parece, pertencia à Igreja. Do outro lado do rio, na margem
direita, existia a fazenda Canudos, propriedade de uma sobrinha do Barão de
Jeremoabo, onde havia mais de duzentos e trinta cabeças de gado – o que
significa que não estava abandonada. (CALASANS, José, In: BLOCH, Didier (org.),
1997, p. 41).

Os dois pontos de vista apresentam diferentes visões sobre a situação de Canudos antes dos conselheiristas. A primeira questão afirma que a casa-sede estava arruinada e nas terras existiam um “número restrito de moradores” . O outro ponto de vista também não nega a presença de antigos moradores no local, no entanto, afirma ter existido duas Canudos no corrente período, um povoado e uma fazenda, apenas o rio separava esses dois territórios. Assim, Calasans afirma que Antônio Conselheiro e os romeiros fixaram-se no povoado e não na Fazenda Canudos.
Antônio Conselheiro até instalar-se na Bahia passou por muitas privações nas suas andanças pelo sertão nordestino,desde o Ceará,onde nascera.Ele atraía adeptos por onde passava,igualando sua caminhada a pregrinações bíblicas:



Ouviram-no dizer que o Cão devia estar festejando, ouviram-no dizer que chegava
o momento de deitar raízes e construir um Templo que fosse, no fim do mundo, o
que tinha sido no princípio a Arca de Noé.
Mas onde deitaria raízes e
construiriam esse Templo? Souberam-no depois de atravessar quebradas,
tabuleiros, serras, caatingas (...).
Escalar uma vereda de montanhas e
cruzar um rio que tinha pouca água e se chamava Vaza-Barris. Apontando, à
distância o conjunto de cabanas que tinha sido rancho de peões e a mansão
avariada que foi casa-grande quando tudo aquilo era uma fazenda, o conselheiro
disse: “Ficaremos lá”. (LLOSA, 1997, p. 47)

Outrora no Ceará foi Antonio Vicente Mendes Maciel, na Bahia torna-se Antonio Conselheiro. Recebeu esse nome por emitir conselhos ao povo e sermões ao Estado. Peregrino, como era chamado pelos belomonteses, criticava fervorosamente a República recém imposta no Brasil, o “Anticristo”, a “lei do Cão” era assim entendida por eles como uma ameaça a moral e aos costumes religiosos, principalmente em relação ao casamento civil.
Antonio Vicente Mendes Maciel apareceu na imprensa pela primeira vez como Santo Antonio dos Mares em 1874 no jornal sergipano intitulado “O Rabudo”. Por onde passava arrastava fiéis maltratados pelo severo semi-árido e injustiçados pelo Estado. Essas pessoas identificavam-se com as pregações do Conselheiro. “Sua linguagem era límpida, clara e transparente” (COSTA, 1997, p. 11), procuravam formas de vida igualitárias, ao menos solidárias.
Dois anos depois Conselheiro foi acusado de ter matado,anos atrás,sua mãe e esposa no Ceará,foi enviado a este estado para cumprir pena judicial, sem provas verídicas das acusações foi liberado (COSTA, 1990).Talvez por arrebanhar seguidores fora acusado de homicídio,provavelmente,por um fazendeiro e/ou político.Seu retorno à Bahia foi num período de longa seca em 1877.
Esse não foi o único episódio de perseguição a Antonio Conselheiro. Em publicação circular enviada a toda arquidiocese,o arcebispo D. Luís Antonio dos Santos, 1882, proíbe aos sacerdotes e fiéis qualquer relação com o Conselheiro alegando ser um divulgador de falsas profecias. Porém, essas determinações de D. Luís Antonio não foram obedecidas por todos os eclesiásticos.Anos depois,no vilarejo de Belo Monte acontecia visitas de diferentes religiosos, o próprio Peregrino no tinha afeição por alguns que visitavam Canudos, exceto o Frei João Evangelista.Este chegou ao povoado em “missão de paz” para conceber os sacramentos católicos ao povo, todavia, tentou persuadir aquela gente a abandonar o lugar, chegou até desqualificar a obra do Conselheiro, em represália foi expulso e amaldiçoado por um dos conselheiristas, assim proseia Calasans (1998).O padre Pedro, de Vila Nova,segundo Guerra (2000) indicou Antonio Vila Nova para comerciar em Belo Monte,ele indicou porque sabia das necessidades do vilarejo.O padre Sabino é outro exemplo de sacerdote em Belo Monte“vinha celebrar, batizar e casar na igreja do peregrino. O reverendo gostava de Canudos e ali e ficava mais de um dia e era muito bem recebido. Depois ia embora, com a bolsa regalada” (MACEDO apud GUERRA, 2000, p. 130).
Nesse cenário de impasse para conter o Peregrino, a Igreja,age mais uma vez,em 1887,apela às autoridades políticas, para reprimir o Conselheiro.Reciprocamente o governo baiano atendendo o pedido da Igreja tenta internar o Conselheiro em um hospício no Rio de Janeiro,porém o governo carioca declara que não havia vaga disponível.Dessa forma a Igreja colocou em questão seu poder como autoridade. “Será que resolver a questão por meios políticos, recorrendo ao governo baiano, significava a impotência da Igreja para conter, por meios religiosos, a atuação de Antonio Conselheiro? (COSTA, 1990.p.13).
A partir desses pontos sintetizados devem-se entender, quais eram as relações existentes entre Belo Monte e os eclesiásticos da região? Suas relações eram apenas religiosas ou estritamente financeiras? Contudo, Belo Monte representava ameaça para as autoridades locais, quem não era a favor dependia de poder e prestígio para ser contra. Por isso, talvez fosse comum em dia de cerimônia religiosa o padre sair com a “bolsa regalada”, pois os conselheiristas eram fiéis aos dogmas católicos, eles reconheciam a importância do sacerdote nas celebrações religiosas e em agradecimento pagavam da maneira que podiam. Por exemplo, Conselheiro não concedia sacramentos, mesmo sendo admirado como santo, pois reconhecia que não era dos sacerdotes como para mediadores desses sacramentos se não reconhecesse ele mesmo concederia os sacramentos aos fiéis.
É interessante a figura de Antônio Conselheiro. Um homem que assumiu no seu universo sócio-cultural dois tipos de lideranças, a liderança religiosa e consequentemente, a liderança política.

Vivência belomontense

Uma das principais discussões acerca de Canudos é sobre o número de haritantes antes e durante a guerra.José Calasans entrevistado por Marco Antonio Villa em Calasans,um depoimento para a história conta que Frei João quando esteve no arraial de Belo Monte em 1895, antes da guerra, calculou a população em seis mil pessoas.(VILLA,1998). Calasans também apresenta seus cálculos para estimar a população de Canudos antes da chegada do séquito e a duplicação da população no período da guerra:
1)o povoamento primitivo de duzentas pessoas: 2) a chegada do séquito do
Conselheiro, que acrescenta de quinhentas a mil pessoas; 3) logo depois, temos a
chegada de romarias, que trazem muitos compadres do Conselheiro, padrinho de
inúmeros meninos durante suas andanças pelo sertão; 4) no último ano de Canudos,
depois das lutas de Uauá e do Cambaio, muita gente migra para lutar ao lado do
arraial.” (CALASANS, José, In: BLOCH, Didier(org.). 1997. p. 43.)
Neste último tópico verifica-se que muitos dos combatentes de Canudos eram pessoas que aliavam-se aos belomonteses para lutar na guerra,não pertenciam aos menores efetivos do vilarejo. Há registros de supostos familiares dos belomonteses que foram convocados pelo Conselheiro a virem ao arraial durante a guerra. Na Caderneta de Campo de Euclides da Cunha , existe um bilhete que elucida perfeitamente essa questão.
[...] O Conselheiro disse 3 vezes q. o q. morreo no belo Monte ele agarante a
salvação já morreo dos nossos irmão 74 no fogo q.hove morreo 5 republicano i
morreo muito cabeludo.O concelheiro esta entereçado que voceis venhão hoi o
golpo na chegada do principo não passa janeiro fora por lei nenhuma.(CUNHA apud
GUERRA, 2000. p. 78)


Vale frisar que os exageros populacionais da Canudos conselheirista estavam ligadas a interesse do Exército para justificar a resistência daquela gente nos sucessivos combates, “hoje em dia não aceitamos mais o número de 5.200 casas que o Exército diz ter contado no final da guerra,e do qual se deduziu que Canudos teve até vinte e cinco mil habitantes.”(CALASANS, José, In: BLOCH, Didier(org.).1997. p. 43).
A religião era muito presente no cotidiano belomontense.As orações coletivas aconteciam várias vezes durante o dia acompanhada das prédicas de Antônio Conselheiro.Devido o crescente número de fiéis foi preciso investir na construção da Igreja Nova, pois a antiga capela de Santo Antônio tornou-se insuficiente para atender o aglomerado de pessoas.(FERRAZ,1991).
Socialmente,Belo Monte era igual a qualquer outro povo sertanejo da época,as políticas de desenvolvimento econômico do país não atingiam aquela localidade.(GARCEZ, 1997) Não era somente Antônio Conselheiro que desenvolvia as atividades de liderança. Outros homens dirigiam a rotina do Vilarejo. Antonio Vilanova e seu irmão Honório Vilanova foram comerciantes prósperos em Belo Monte, opostos a eles estava Antonio da Mota, um simples comerciante que segundo Villa (1998) foi assinado pelo comerciante mais forte, o Antonio Vilanova.
Canudos antes dos conselheiristas era um ponto de passagem comercial, com a existência de Belo Monte esses contatos comerciais com outras localidades apenas fortaleceram, pois a população aumentara em tamanho permitindo maior circulação de mercadorias.
Outro homem da confiança de Antônio Conselheiro era João Abade, responsável pela Guarda Católica. Segundo Llosa (1990) essa guarda foi criada para proteger o Conselheiro e se estrutura no período da guerra, os treinamentos de arregimentados eram constantes, os pertencentes da Guarda Católica eram invejados por todos pois, protegeriam o Peregrino.
Esses são alguns exemplos de homens ilustres em Belo Monte. Homens, porque as mulheres não ocupavam posições de liderança.

As mulheres cuidavam dos filhos, da vida doméstico e, sobretudo, de rezar(...).
Sobre elas o carisma do “santo” não conhecia limites e por isso, formavam o
grosso dos que compareciam todas as tardes, pelas ave-marias, para o terço e a
pregação e, ao amanhecer, para o ofício de Nossa Senhora. (FERRAZ, 1991, p. 34).

As mulheres de Canudos foram bravas combatentes na guerra, muitas delas, preferiam morrer ao se entregarem aos inimigos. Houve casos de maridos que fugiram da guerra e abandonaram mulher e filhos. Porém elas não deixaram de lutar, continuaram firmes no combate (VILLA, 1998).
Havia também em Belo Monte uma escola com uma professora. Ferraz (1991) diz que o home da professora era Maria Francisca de Vasconcelos, era do vilarejo de Natuba, nessa informação de Ferraz na Cartilha Histórica de Canudos contém uma nota explicativa que provem de Manoel Benício Fontenelle. Entretanto, Calasans proseia o seguinte: “O Manoel Benício dá o nome de uma professora, que ele disse que era de Tucano. Segundo a Maria Francisca, filha de Macambira , o nome da professora era Maria Bibiana” (VILLA, 1998, p....)
No entanto, o mais relevante nesta informação é a existência de uma escola e uma professora de povoado. Conquando deve-se questionar, a quem a escola atendia? Quais os efeitos que essa escola proporcionava a comunidade?
Em Belo Monte as ações solidárias aconteciam frequentemente. O dinheiro recolhido nas doações eram distribuídos para os necessitados. A terra não era um bem comum, entretanto, um proprietário podia emprestá-la a terceiros para produzir alimentos necessários a subsistência (CALASANS, 1997). Se a terra não era um bem comum, a situação de miséria foi explícita talvez porque a quantidade de terra não acolhia a toda comunidade.
A arquitetura e localização das casas também representava prestígio social. Quem morava próximo à Igreja Nova, a liderança belomontese, possuía casas maiores e mais reforçadas (FERRAZ, 1991). A estrutura de ocupação do arraial representava uma estratégia de defesa, “o amontoado de casas em completo desalinho podia sugerir descuido e desorganização, mas na realidade Conselheiro agia assim por instinto de defesa e resistência contra possíveis ataques” (COSTA, 1997, p. 21).
Euclides da Cunha na obra Os Sertões definiu Belo Monte da seguinte forma:

A urbis monstruosa, de barro, definia bem a Civitas sinistra do erro (...).
Visto de longe, desdobrado pelos cômoros, atulhando as canhadas, cobrindo área
enorme, truncado nas quebradas, revolto nos pendores tinha o aspecto perfeito de
uma cidade cujo solo houvesse sido sacudido e brutalmente dobrados por um
terremoto. (CUNHA, 1995, p. 123)

No “fazer-se e do refazer-se belomonteses” Sérgio Guerra exalta a vivência belomontese e o que sua existência causou aos grupos externos:

A inveja causada aos outros viajantes que saiam propagandeando a fartura vivida
em Belo Monte, está, sem dúvida, entre as razões mais fortes para justificar a
intervenção militar com o fim de destruir este modo de vida que se mostrando
viável e florescente, em pleno sertão, provocava uma grande atração sobre si.
Além de criar, pelo efeito de demonstração, uma verdadeira fuga de mão-de-obra
das localidades circunvizinhas, que comentavam a fartura que era a vida em Belo
Monte. (GUERRA, 2000, p. 128)

A intervenção militar urgente

As expedições militares organizadas para atacar Canudos aconteceram em um pequeno espaço de tempo. A primeira expedição atacou os conselheiristas em novembro de 1896 no distrito de Vauá, a quarta e última expedição teve êxito em 5 de outubro de 1897 no povoado de Belo Monte. Depois da derrota da primeira expedição comandada pelo Tenente Pires Ferreira, os sucessivos responsáveis pelas expedições militares possuíam grandes patentes militares, por exemplo, a 1ª expedição foi liderada por um tenente, a 2ª expedição liderada por um major, a 3ª comandada por um terrível Coronel e por fim a última expedição foi administrada por dois generais.
Em menos de um ano Belo Monte, conselheirista e Antonio Conselheiro foram vencidos. Analisando o curto espaço temporal desses acontecimentos e a urgência em destruir essa singular participação popular, compreende-se a ameaça que Belo Monte representava as autoridades.

Como sempre aconteceram com todos os movimentos verdadeiramente populares
ocorridos no Brasil, as forças que representavam as classes dominantes ameaçadas
uniram-se. Uma autêntica guerra de extermínio teve início então, embasada nas
mais absurdas das calúnias”. (COSTA, 1997, p. 28)

Compreender e refletir o modo de vida belomontese talvez seja a peça chave para entender a Guerra em Canudos,

Meio a interesses antagônicos, surgiu a guerra de Canudos. A luta foi árdua,
durou quatro anos e culminou com a total destruição daquela comunidade de
romeiros (...). Não ficou pedra sobre pedra. Tudo foi destruído, a fim de que
nenhum vestígio restasse da rebeldia do sertanejo contra os poderes
constituídos. Hoje, as águas da barragem de Cocorobó cobre o que outrora foi o
arraial de Canudos (...). Enterrou-se, desta vez sob as águas, preciosa fonte
para o conhecimento da história brasileira. (SAMPAIO, Consuelo Novais, In:
FAEEBA, Revista da UNEB/ 1992, p. 6).


Dessa forma,Canudos continua sendo um dos maiores exemplos de resistência popular da história brasileira.O local,o Arraial de Belo Monte,cenário desses acontecimentos,é um documento vivo a ser explorado.Todas as mudanças ocorridas naquele espaço físico foram estratégias forjadas pelo Estado para tentar apagar esse valioso vestígio da memória brasileira.No entanto,Canudos ainda se mantém resistente em meio ao sertão baiano,efetivando a forte ligação do sertanejo à aquele solo,fortalecendo,assim, a identidade nordestina.


REFERÊNCIAS

BLOCH, Didier (org). Canudos: 100 anos de produção. Paulo Afonso, Editora Fonte Viva, 1997.

COSTA, Nicola S. Canudos: ordem e progresso no sertão. São Paulo: moderna, 1997.

CUNHA, Euclides da. Os Sertões:campanha de Canudos.Rio de Janeiro:Francisco Alves,1995.

GUERRA, Sérgio. Universos em confronto: Canudos versus Belo Monte. Salvador. Gráfica da UNEB, 2000.

LLOSA, Mário Vargas. A guerra do fim do mundo. 17 ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1990

REVISTA DA FAEEBA/ UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA, Faculdade de Educação do Estado da Bahia – Ano 1, n° 1 (Jan./ Jun, 1992) Salvador: UNEB, 1992.

VILLA, Marco Antonio. Calasans, um depoimento para a história. Salvador: Gráfica da UNEB, 1998.