Um lugar de memória...
terça-feira, 20 de março de 2018
O PAPEL HISTÓRICO DA IGREJA CATÓLICA NO PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE NACIONAL
segunda-feira, 2 de agosto de 2010
A presença das pinturas rupestres nos livros didáticos de História no Brasil – de 1960 a 2000
Estas pinturas, então, poderiam transmitir informações sociais e culturais de grande importância para a sobrevivência do grupo que existisse naquele espaço e também para o futuro, fornecendo-nos dados sobre a forma de vida das comunidades locais.
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sexta-feira, 23 de julho de 2010
Pro dia nascer feliz
JARDIM, João. Pro dia nascer feliz. Filme documentário, produção TAMBELLINI Filme, SP. Ano 2006.
João Jardim, nascido em 1964 no Rio de Janeiro, estudou Cinema e posteriormente Jornalismo na Universidade de Nova Yorque. Seus principais documentários incluem “Free Tibet” and “Terra Brasil” e Janela da alma. Também foi assistente de direção de Carlos Diegues em “Dias Melhores Virão”.
O filme Pro dia nascer feliz trata do sistema educacional brasileiro a partir das experiências de alunos e professores. Diferentes instituições escolares foram utilizadas para exemplificarem situações reais do cotidiano escolar brasileiro. Tendo uma escola pública do interior de Pernambuco; uma escola privada da capital paulistana; e uma escola da pública da cidade do Rio de Janeiro. Foram utilizados depoimentos diretos dos indivíduos que constrõem e dão significado ao espaço escolar. Nesse sentido Pro dia nascer feliz expõe as angústias, dificuldades e obstáculos enfrentados por discentes, docentes e diretores na vivência escolar. Assim, o telespectador é direcionado a refletir sobre o papel da escola na sociedade e quais os efeitos ela provoca nas relações sociais de seus integrantes.
Neste contexto os “atores” reais do documentário são vítimas do sistema escolar estabelecido pelo Estado, são obrigados diretamente ou indiretamente a adequar-se ao modelo instituído. Todos eles são atingidos dolorosamente sem compreenderem o porquê desse paradigma.
Muitos são os problemas abordados no filme referente à crise no sistema educacional brasileiro, o contraste entre as escolas públicas e as escolas privadas; a distância entre a realidade existente nas instituições públicas e as políticas educacionais do governo.
De modo geral, a relação aluno/professor/escola aparece explicitamente no decorrer do filme. As relações mudam de acordo com a realidade social. Desde um aluno da periferia envolvido com o crime, até uma aluna de escola privada lutando para ser aprovada no ano letivo. Ou uma jovem professora depressiva que tenta fazer a diferença na educação, e uma professora tradicional e reprodutiva que não media seus alunos a criticidade.
Contudo, o documentário Pro dia nascer feliz, denuncia: o papel social da escola; a realidade dos estudantes secundaristas brasileiros e a relação estudante e escola, na perspectiva em incentivar discussões produtivas sobre a realidade da educação no Brasil.
domingo, 11 de julho de 2010
O QUE SÃO ARQUIVOS PESSOAIS
De uma maneira geral, as pessoas guardam documentos que testemunham momentos de sua vida, suas relações pessoais ou profissionais, seus interesses. São cartas, fotografias, documentos de trabalho, registros de viagens, diários, diplomas, comprovantes e recibos, ou simplesmente "papéis velhos". Esses documentos, quando tomados em conjunto, podem revelar não apenas a trajetória de vida, mas também gostos, hábitos e valores de quem os guardou, constituindo o seu arquivo pessoal. Arquivos Pessoais, portanto, são conjuntos documentais, de origem privada, acumulados por pessoas físicas e que se relacionam de alguma forma às atividades desenvolvidas e aos interesses cultivados por essas pessoas, ao longo de suas de vidas. Essa acumulação resulta da seleção dos documentos a serem guardados, entre todos os papéis manuseados cotidianamente, e vai sendo feita ao longo do tempo. Muitas vezes, principalmente no caso de arquivos privados de pessoas públicas, essa seleção também é feita por auxiliares e, após a morte do titular do arquivo, por familiares e amigos.
Os arquivos pessoais constituem valiosas fontes de pesquisa, seja pela especificidade dos tipos documentais que os caracterizam, seja pela possibilidade que oferecem de complementar informações constantes em arquivos de natureza pública. O crescimento das pesquisas nas áreas de história da vida privada e história do cotidiano, bem como o interesse crescente pelas análises de tipo biográfico e pelas edições de correspondência escolhida, têm aumentado a procura por este tipo de fonte, chamando atenção para a importância de sua preservação, organização e abertura à consulta pública.
Em virtude de conterem informações fundamentais para a recuperação da memória ou para o desenvolvimento da pesquisa histórica, científica ou tecnológica do país, alguns arquivos pessoais podem ser classificados como "de interesse público e social", por meio de dispositivo legal. Nesses casos, a lei determina que sejam preservados e colocados à disposição dos pesquisadores. Por se tratarem de documentos de natureza privada, os arquivos pessoais reúnem muitas vezes informações cujo acesso pode comprometer a intimidade do seu titular ou de terceiros. O Brasil hoje já dispõe de um corpo de leis regulamentando várias questões na área de arquivos, entre elas, o acesso a informações de natureza privada. Além da lei 8.159, de 1991, conhecida como Lei de Arquivos, que possui um capítulo dedicado aos arquivos privados, o decreto 2.942, de 1999, e a Resolução nº 12, do Conselho Nacional de Arquivos - CONARQ, estão voltados para o tema.
http://cpdoc.fgv.br/acervo/arquivospessoais
quinta-feira, 1 de julho de 2010
CANUDOS:SURGIMENTO,EXISTÊNCIA E RESISTÊNCIA
JOELMA CARVALHO PEREIRA
RESUMO
O objetivo deste artigo é compreender Canudos como uma grande representação de participação popular efetiva, desde o surgimento do vilarejo de Belo Monte, cenário símbolo da vivência conselheirista, até sua resistência testada nos sucessivos ataques para destruir essa sociedade organizada, principalmente na solidariedade e religiosidade.
Palavras-chave: Canudos; Belo Monte; Conselheiristas; Resistência.
Durante quatro anos o vilarejo de Belo Monte existiu no sertão baiano como morada de Antonio Conselheiro e seus seguidores. Situado numa região acometida por longas estiagens tinha o privilégio de ser cortado pelo rio Vaza-Barris e seus afluentes. A população aprendia a renovar seus recursos de sobrevivência a cada devastadora seca e continuar resistindo.
Apegavam-se à religião para confortar suas dores e persistir nos períodos da seca, no entanto, não foram reconhecidos pelos representantes dessa religião como fiéis da Santa Madre Igreja e sim entendidos como fanáticos imorais que desrespeitavam a sólida Igreja Católica. Não era somente a igreja que negava essa organização popular, os fazendeiros, principalmente eles, não aceitavam essa situação de rebeldia popular, agravando ainda mais a necessidade de mão-de-obra nas propriedades rurais da região.
A demanda da mão-de-obra no sertão nordestino não era acontecimento inédito para os latifundiários,ela existia desde “(...) à segunda metade do século XIX, quando a proibição do tráfico de escravos africanos resultou na intensificação do tráfico interprovincial, carreando mão-de-obra do Nordeste para as plantações de café nas províncias do Rio e Janeiro e para São Paulo” (SAMPAIO, Consuelo Novais,In: FACEBA, Revista da/ UNEB, 1992, p. 15) . O desenvolvimento da República no Sul do país atraía muitos sertanejos esperançosos de mudanças sociais, somando-se a isso, do outro lado, estava Belo Monte, refúgio imediato das classes subalternas, que aumentava da vez mais o número de aliados (SAMPAIO, 1992).
O séquito religioso chega a Canudos
Canudos foi no século XVI uma importante fazenda de criação de gado, sua produção abastecia engenhos no litoral nordestino e em decorrência da monocultura da cana-de-açúcar, a produção de alimentos para a subsistência da população local começou a escassear.
Em 1890, a Fazenda Canudos, na companhia de outras, aparece no arrolamento dos
bens deixados pelo Doutor Fiel José de Carvalho e depois no formal de partilha
como parcela cabida à filha Dona Mariana Fiel Dantas de Carvalho,juntamente com
a casa-sede,já arruinada,alguns bovinos e animais de criação”(FERRAZ,1991.
p.16).
Nas terras havia um pequeno número de antigos moradores, no entanto, aquela propriedade rural continuou abandonada pela proprietária até a instalação de Antônio Conselheiro e seus seguidores no local. José Calasans (1997) afirma que a Fazenda Canudos não estava abandonada quando o Peregrino e séquito chegaram no local.
Quando Antônio Conselheiro chegou em Canudos, ali havia, na margem esquerda o
rio Vaza-Barris, um povoado com cerca de duzentos habitantes, estabelecido em
terras que, ao que parece, pertencia à Igreja. Do outro lado do rio, na margem
direita, existia a fazenda Canudos, propriedade de uma sobrinha do Barão de
Jeremoabo, onde havia mais de duzentos e trinta cabeças de gado – o que
significa que não estava abandonada. (CALASANS, José, In: BLOCH, Didier (org.),
1997, p. 41).
Os dois pontos de vista apresentam diferentes visões sobre a situação de Canudos antes dos conselheiristas. A primeira questão afirma que a casa-sede estava arruinada e nas terras existiam um “número restrito de moradores” . O outro ponto de vista também não nega a presença de antigos moradores no local, no entanto, afirma ter existido duas Canudos no corrente período, um povoado e uma fazenda, apenas o rio separava esses dois territórios. Assim, Calasans afirma que Antônio Conselheiro e os romeiros fixaram-se no povoado e não na Fazenda Canudos.
Antônio Conselheiro até instalar-se na Bahia passou por muitas privações nas suas andanças pelo sertão nordestino,desde o Ceará,onde nascera.Ele atraía adeptos por onde passava,igualando sua caminhada a pregrinações bíblicas:
Ouviram-no dizer que o Cão devia estar festejando, ouviram-no dizer que chegavaOutrora no Ceará foi Antonio Vicente Mendes Maciel, na Bahia torna-se Antonio Conselheiro. Recebeu esse nome por emitir conselhos ao povo e sermões ao Estado. Peregrino, como era chamado pelos belomonteses, criticava fervorosamente a República recém imposta no Brasil, o “Anticristo”, a “lei do Cão” era assim entendida por eles como uma ameaça a moral e aos costumes religiosos, principalmente em relação ao casamento civil.
o momento de deitar raízes e construir um Templo que fosse, no fim do mundo, o
que tinha sido no princípio a Arca de Noé.
Mas onde deitaria raízes e
construiriam esse Templo? Souberam-no depois de atravessar quebradas,
tabuleiros, serras, caatingas (...).
Escalar uma vereda de montanhas e
cruzar um rio que tinha pouca água e se chamava Vaza-Barris. Apontando, à
distância o conjunto de cabanas que tinha sido rancho de peões e a mansão
avariada que foi casa-grande quando tudo aquilo era uma fazenda, o conselheiro
disse: “Ficaremos lá”. (LLOSA, 1997, p. 47)
Antonio Vicente Mendes Maciel apareceu na imprensa pela primeira vez como Santo Antonio dos Mares em 1874 no jornal sergipano intitulado “O Rabudo”. Por onde passava arrastava fiéis maltratados pelo severo semi-árido e injustiçados pelo Estado. Essas pessoas identificavam-se com as pregações do Conselheiro. “Sua linguagem era límpida, clara e transparente” (COSTA, 1997, p. 11), procuravam formas de vida igualitárias, ao menos solidárias.
Dois anos depois Conselheiro foi acusado de ter matado,anos atrás,sua mãe e esposa no Ceará,foi enviado a este estado para cumprir pena judicial, sem provas verídicas das acusações foi liberado (COSTA, 1990).Talvez por arrebanhar seguidores fora acusado de homicídio,provavelmente,por um fazendeiro e/ou político.Seu retorno à Bahia foi num período de longa seca em 1877.
Esse não foi o único episódio de perseguição a Antonio Conselheiro. Em publicação circular enviada a toda arquidiocese,o arcebispo D. Luís Antonio dos Santos, 1882, proíbe aos sacerdotes e fiéis qualquer relação com o Conselheiro alegando ser um divulgador de falsas profecias. Porém, essas determinações de D. Luís Antonio não foram obedecidas por todos os eclesiásticos.Anos depois,no vilarejo de Belo Monte acontecia visitas de diferentes religiosos, o próprio Peregrino no tinha afeição por alguns que visitavam Canudos, exceto o Frei João Evangelista.Este chegou ao povoado em “missão de paz” para conceber os sacramentos católicos ao povo, todavia, tentou persuadir aquela gente a abandonar o lugar, chegou até desqualificar a obra do Conselheiro, em represália foi expulso e amaldiçoado por um dos conselheiristas, assim proseia Calasans (1998).O padre Pedro, de Vila Nova,segundo Guerra (2000) indicou Antonio Vila Nova para comerciar em Belo Monte,ele indicou porque sabia das necessidades do vilarejo.O padre Sabino é outro exemplo de sacerdote em Belo Monte“vinha celebrar, batizar e casar na igreja do peregrino. O reverendo gostava de Canudos e ali e ficava mais de um dia e era muito bem recebido. Depois ia embora, com a bolsa regalada” (MACEDO apud GUERRA, 2000, p. 130).
Nesse cenário de impasse para conter o Peregrino, a Igreja,age mais uma vez,em 1887,apela às autoridades políticas, para reprimir o Conselheiro.Reciprocamente o governo baiano atendendo o pedido da Igreja tenta internar o Conselheiro em um hospício no Rio de Janeiro,porém o governo carioca declara que não havia vaga disponível.Dessa forma a Igreja colocou em questão seu poder como autoridade. “Será que resolver a questão por meios políticos, recorrendo ao governo baiano, significava a impotência da Igreja para conter, por meios religiosos, a atuação de Antonio Conselheiro? (COSTA, 1990.p.13).
A partir desses pontos sintetizados devem-se entender, quais eram as relações existentes entre Belo Monte e os eclesiásticos da região? Suas relações eram apenas religiosas ou estritamente financeiras? Contudo, Belo Monte representava ameaça para as autoridades locais, quem não era a favor dependia de poder e prestígio para ser contra. Por isso, talvez fosse comum em dia de cerimônia religiosa o padre sair com a “bolsa regalada”, pois os conselheiristas eram fiéis aos dogmas católicos, eles reconheciam a importância do sacerdote nas celebrações religiosas e em agradecimento pagavam da maneira que podiam. Por exemplo, Conselheiro não concedia sacramentos, mesmo sendo admirado como santo, pois reconhecia que não era dos sacerdotes como para mediadores desses sacramentos se não reconhecesse ele mesmo concederia os sacramentos aos fiéis.
É interessante a figura de Antônio Conselheiro. Um homem que assumiu no seu universo sócio-cultural dois tipos de lideranças, a liderança religiosa e consequentemente, a liderança política.
Vivência belomontense
Uma das principais discussões acerca de Canudos é sobre o número de haritantes antes e durante a guerra.José Calasans entrevistado por Marco Antonio Villa em Calasans,um depoimento para a história conta que Frei João quando esteve no arraial de Belo Monte em 1895, antes da guerra, calculou a população em seis mil pessoas.(VILLA,1998). Calasans também apresenta seus cálculos para estimar a população de Canudos antes da chegada do séquito e a duplicação da população no período da guerra:
1)o povoamento primitivo de duzentas pessoas: 2) a chegada do séquito doNeste último tópico verifica-se que muitos dos combatentes de Canudos eram pessoas que aliavam-se aos belomonteses para lutar na guerra,não pertenciam aos menores efetivos do vilarejo. Há registros de supostos familiares dos belomonteses que foram convocados pelo Conselheiro a virem ao arraial durante a guerra. Na Caderneta de Campo de Euclides da Cunha , existe um bilhete que elucida perfeitamente essa questão.
Conselheiro, que acrescenta de quinhentas a mil pessoas; 3) logo depois, temos a
chegada de romarias, que trazem muitos compadres do Conselheiro, padrinho de
inúmeros meninos durante suas andanças pelo sertão; 4) no último ano de Canudos,
depois das lutas de Uauá e do Cambaio, muita gente migra para lutar ao lado do
arraial.” (CALASANS, José, In: BLOCH, Didier(org.). 1997. p. 43.)
[...] O Conselheiro disse 3 vezes q. o q. morreo no belo Monte ele agarante a
salvação já morreo dos nossos irmão 74 no fogo q.hove morreo 5 republicano i
morreo muito cabeludo.O concelheiro esta entereçado que voceis venhão hoi o
golpo na chegada do principo não passa janeiro fora por lei nenhuma.(CUNHA apud
GUERRA, 2000. p. 78)
Vale frisar que os exageros populacionais da Canudos conselheirista estavam ligadas a interesse do Exército para justificar a resistência daquela gente nos sucessivos combates, “hoje em dia não aceitamos mais o número de 5.200 casas que o Exército diz ter contado no final da guerra,e do qual se deduziu que Canudos teve até vinte e cinco mil habitantes.”(CALASANS, José, In: BLOCH, Didier(org.).1997. p. 43).
A religião era muito presente no cotidiano belomontense.As orações coletivas aconteciam várias vezes durante o dia acompanhada das prédicas de Antônio Conselheiro.Devido o crescente número de fiéis foi preciso investir na construção da Igreja Nova, pois a antiga capela de Santo Antônio tornou-se insuficiente para atender o aglomerado de pessoas.(FERRAZ,1991).
Socialmente,Belo Monte era igual a qualquer outro povo sertanejo da época,as políticas de desenvolvimento econômico do país não atingiam aquela localidade.(GARCEZ, 1997) Não era somente Antônio Conselheiro que desenvolvia as atividades de liderança. Outros homens dirigiam a rotina do Vilarejo. Antonio Vilanova e seu irmão Honório Vilanova foram comerciantes prósperos em Belo Monte, opostos a eles estava Antonio da Mota, um simples comerciante que segundo Villa (1998) foi assinado pelo comerciante mais forte, o Antonio Vilanova.
Canudos antes dos conselheiristas era um ponto de passagem comercial, com a existência de Belo Monte esses contatos comerciais com outras localidades apenas fortaleceram, pois a população aumentara em tamanho permitindo maior circulação de mercadorias.
Outro homem da confiança de Antônio Conselheiro era João Abade, responsável pela Guarda Católica. Segundo Llosa (1990) essa guarda foi criada para proteger o Conselheiro e se estrutura no período da guerra, os treinamentos de arregimentados eram constantes, os pertencentes da Guarda Católica eram invejados por todos pois, protegeriam o Peregrino.
Esses são alguns exemplos de homens ilustres em Belo Monte. Homens, porque as mulheres não ocupavam posições de liderança.
As mulheres cuidavam dos filhos, da vida doméstico e, sobretudo, de rezar(...).
Sobre elas o carisma do “santo” não conhecia limites e por isso, formavam o
grosso dos que compareciam todas as tardes, pelas ave-marias, para o terço e a
pregação e, ao amanhecer, para o ofício de Nossa Senhora. (FERRAZ, 1991, p. 34).
As mulheres de Canudos foram bravas combatentes na guerra, muitas delas, preferiam morrer ao se entregarem aos inimigos. Houve casos de maridos que fugiram da guerra e abandonaram mulher e filhos. Porém elas não deixaram de lutar, continuaram firmes no combate (VILLA, 1998).
Havia também em Belo Monte uma escola com uma professora. Ferraz (1991) diz que o home da professora era Maria Francisca de Vasconcelos, era do vilarejo de Natuba, nessa informação de Ferraz na Cartilha Histórica de Canudos contém uma nota explicativa que provem de Manoel Benício Fontenelle. Entretanto, Calasans proseia o seguinte: “O Manoel Benício dá o nome de uma professora, que ele disse que era de Tucano. Segundo a Maria Francisca, filha de Macambira , o nome da professora era Maria Bibiana” (VILLA, 1998, p....)
No entanto, o mais relevante nesta informação é a existência de uma escola e uma professora de povoado. Conquando deve-se questionar, a quem a escola atendia? Quais os efeitos que essa escola proporcionava a comunidade?
Em Belo Monte as ações solidárias aconteciam frequentemente. O dinheiro recolhido nas doações eram distribuídos para os necessitados. A terra não era um bem comum, entretanto, um proprietário podia emprestá-la a terceiros para produzir alimentos necessários a subsistência (CALASANS, 1997). Se a terra não era um bem comum, a situação de miséria foi explícita talvez porque a quantidade de terra não acolhia a toda comunidade.
A arquitetura e localização das casas também representava prestígio social. Quem morava próximo à Igreja Nova, a liderança belomontese, possuía casas maiores e mais reforçadas (FERRAZ, 1991). A estrutura de ocupação do arraial representava uma estratégia de defesa, “o amontoado de casas em completo desalinho podia sugerir descuido e desorganização, mas na realidade Conselheiro agia assim por instinto de defesa e resistência contra possíveis ataques” (COSTA, 1997, p. 21).
Euclides da Cunha na obra Os Sertões definiu Belo Monte da seguinte forma:
A urbis monstruosa, de barro, definia bem a Civitas sinistra do erro (...).
Visto de longe, desdobrado pelos cômoros, atulhando as canhadas, cobrindo área
enorme, truncado nas quebradas, revolto nos pendores tinha o aspecto perfeito de
uma cidade cujo solo houvesse sido sacudido e brutalmente dobrados por um
terremoto. (CUNHA, 1995, p. 123)
No “fazer-se e do refazer-se belomonteses” Sérgio Guerra exalta a vivência belomontese e o que sua existência causou aos grupos externos:
A inveja causada aos outros viajantes que saiam propagandeando a fartura vividaA intervenção militar urgente
em Belo Monte, está, sem dúvida, entre as razões mais fortes para justificar a
intervenção militar com o fim de destruir este modo de vida que se mostrando
viável e florescente, em pleno sertão, provocava uma grande atração sobre si.
Além de criar, pelo efeito de demonstração, uma verdadeira fuga de mão-de-obra
das localidades circunvizinhas, que comentavam a fartura que era a vida em Belo
Monte. (GUERRA, 2000, p. 128)
As expedições militares organizadas para atacar Canudos aconteceram em um pequeno espaço de tempo. A primeira expedição atacou os conselheiristas em novembro de 1896 no distrito de Vauá, a quarta e última expedição teve êxito em 5 de outubro de 1897 no povoado de Belo Monte. Depois da derrota da primeira expedição comandada pelo Tenente Pires Ferreira, os sucessivos responsáveis pelas expedições militares possuíam grandes patentes militares, por exemplo, a 1ª expedição foi liderada por um tenente, a 2ª expedição liderada por um major, a 3ª comandada por um terrível Coronel e por fim a última expedição foi administrada por dois generais.
Em menos de um ano Belo Monte, conselheirista e Antonio Conselheiro foram vencidos. Analisando o curto espaço temporal desses acontecimentos e a urgência em destruir essa singular participação popular, compreende-se a ameaça que Belo Monte representava as autoridades.
Como sempre aconteceram com todos os movimentos verdadeiramente populares
ocorridos no Brasil, as forças que representavam as classes dominantes ameaçadas
uniram-se. Uma autêntica guerra de extermínio teve início então, embasada nas
mais absurdas das calúnias”. (COSTA, 1997, p. 28)
Compreender e refletir o modo de vida belomontese talvez seja a peça chave para entender a Guerra em Canudos,
Meio a interesses antagônicos, surgiu a guerra de Canudos. A luta foi árdua,
durou quatro anos e culminou com a total destruição daquela comunidade de
romeiros (...). Não ficou pedra sobre pedra. Tudo foi destruído, a fim de que
nenhum vestígio restasse da rebeldia do sertanejo contra os poderes
constituídos. Hoje, as águas da barragem de Cocorobó cobre o que outrora foi o
arraial de Canudos (...). Enterrou-se, desta vez sob as águas, preciosa fonte
para o conhecimento da história brasileira. (SAMPAIO, Consuelo Novais, In:
FAEEBA, Revista da UNEB/ 1992, p. 6).
Dessa forma,Canudos continua sendo um dos maiores exemplos de resistência popular da história brasileira.O local,o Arraial de Belo Monte,cenário desses acontecimentos,é um documento vivo a ser explorado.Todas as mudanças ocorridas naquele espaço físico foram estratégias forjadas pelo Estado para tentar apagar esse valioso vestígio da memória brasileira.No entanto,Canudos ainda se mantém resistente em meio ao sertão baiano,efetivando a forte ligação do sertanejo à aquele solo,fortalecendo,assim, a identidade nordestina.
REFERÊNCIAS
BLOCH, Didier (org). Canudos: 100 anos de produção. Paulo Afonso, Editora Fonte Viva, 1997.
COSTA, Nicola S. Canudos: ordem e progresso no sertão. São Paulo: moderna, 1997.
CUNHA, Euclides da. Os Sertões:campanha de Canudos.Rio de Janeiro:Francisco Alves,1995.
GUERRA, Sérgio. Universos em confronto: Canudos versus Belo Monte. Salvador. Gráfica da UNEB, 2000.
LLOSA, Mário Vargas. A guerra do fim do mundo. 17 ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1990
REVISTA DA FAEEBA/ UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA, Faculdade de Educação do Estado da Bahia – Ano 1, n° 1 (Jan./ Jun, 1992) Salvador: UNEB, 1992.
VILLA, Marco Antonio. Calasans, um depoimento para a história. Salvador: Gráfica da UNEB, 1998.